1ª Viagem aérea Portugal - Macau (1924)

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«A visibilidade piora a cada momento. Procuramos subir, apesar disso, na esperança de uma atmosfera mais fresca... o “Pátria” começa a afundar-se lentamente, a perder altura, não conseguindo sustentar-se na atmosfera rarefeita e ardente... Sofremos horrorosamente. Gouveia desapertado, mal pode respirar. Brito Pais transpira copiosamente, e eu necessito de toda a energia dos meus nervos para continuar lutando... às dez horas e trinta e cinco, estamos a trezentos metros do solo. A descida acelera-se num furacão de areia, em que o “Pátria” se debate lastimosamente...» 
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  • Planeamento e preparação da viagem 

Depois da travessia do Atlântico Sul em 1922 por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, três aviadores portugueses deixaram Vila Nova de Mil Fontes no dia 7 de Abril de 1924 rumo a Macau, 17 dias antes dos Franceses Doisy e Besin partirem para a viagem a Tóquio.

Em 1920, Sarmento de Beires e Brito Pais, tentaram sem êxito a viagem Lisboa-Madeira-Lisboa. No dia 18 de Outubro de 1920, Sarmento de Beires e Brito Pais descolaram de Lisboa rumo à Madeira, a bordo de um Breguet 14-A2, “Cavaleiro Negro”. A Ilha envolta em denso nevoeiro não permitiu a aterragem. O “Cavaleiro Negro” tenta em vão chegar ao Norte de África. Sem gasolina amara de emergência 8H22m depois de ter descolado de Lisboa. Os aviadores, salvos pelo navio inglês “Gambia River”, prepararam de novo outro projecto, a travessia do Atlântico Sul. O atraso na preparação do avião e o início do voo de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, alteram os seus planos.
Pátria I nas oficinas do “Grupo de Esquadrilhas 
de Aviação República”

Viajar até Macau foi novo objectivo.

O avião escolhido foi o Breguet 16-Bn2 com motor de 300 cavalos de potência, equipado com depósitos suplementares para aumentar a autonomia,Em Agosto de 1921 o avião saiu das oficinas do “Grupo de Esquadrilhas de Aviação República” na Amadora com a frase, “Esta é a Ditosa Pátria Minha Amada”, pintada na fuselagem. Em Setembro, efectuaram-se vários voos de experiência que se mostraram animadores. Em Novembro, o mau tempo derrubou parte do hangar onde o avião se encontrava provocando no aparelho graves danos. A falta de verbas para reparar imediatamente a avaria, levou a que o avião só ficasse pronto em Janeiro de 1924.


  • A viagem do Pátria I



Às primeiras horas da manhã do dia 7 de Abril de 1924 o “Pátria” pilotado por Sarmento de Beires e Brito Pais, descolou de Vila Nova de Mil Fontes ainda sem o mecânico Manuel Gouveia que só embarcou em Tunis. O tempo chuvoso, obrigou a voar a baixa altitude. Sobre a Baía de Algeciras, o “Pátria” foi surpreendido por forte temporal:
«O motor falha por falta de gasolina, que, devido à inércia não corre na tubagem.»(*)
Batismo do Pátria I em V.Nova de Mil Fontes
 Aterraram de emergência em Málaga. Dois dias depois, chegam a Oran, ao aeródromo de “La Sénia”, uma base francesa onde são recebidos calorosamente pelos aviadores militares. Oran, era um centro aeronáutico de grande importância e terminal de três carreiras aéreas (Fez, Marselha e Alicante). Nesta cidade, Brito Pais encontrou o seu antigo instrutor em França, o Comandante Lorca. No dia 12 de Abril, o “Pátria” escoltado por dois aviões franceses, rumou a Tunis, onde aterrou 6 horas depois, no aeroporto de Kassar-Said. À espera estavam o cônsul de Portugal, e o mecânico Manuel Gouveia. No dia 14 de Abril já com o terceiro tripulante a bordo rumam a Tripoli voando a 700 metros sobre o deserto:
«Por fim, a Nordeste, o casario de Tripoli alveja na Luz do Sol. E ao aproximarmo-nos, a cidade é uma surpresa, em anfiteatro sobre o mar, o porto - dois braços de granito abraçando um pouco de água - alguns navios, e o aeródromo arenoso, seis quilómetros a Leste, numa clareira envolta em palmares.»(*)
Recebidos no aeródromo da Força Aérea Italiana, repousaram dois dias e descolaram de novo no dia 16 de Abril.O vento forte, obriga o “Pátria” a aterrar de emergência no aeródromo de Homs. No dia 18, o tempo melhora e rumam a Bengazi. A 2.400 metros de altitude foram surpreendidos por uma tempestade de areia que dificultou a navegação:

 «Era perigoso descer. O calor, a areia, a rarefacção atmosférica, poderiam forçar-nos a aterrar. Perco por momentos a noção da horizontalidade do aparelho, de tal maneira me entontece a névoa rubra e a luz ardente do sol  doentio... Ao atingir o fundo do golfo, vivemos instantes horrorosos. Falta-nos o ar. Bebemos água a cada minuto. O sangue lateja-nos violentamente nas fontes. A transpiração não chega a humedecer a pele.»(*)

O Pátria I numa escala no Norte de Africa
O martírio terminou quando as rodas do “Pátria” tocaram o aeródromo de Bengazi ao fim de 900 Km de voo. Mais uma vez foram recebidos efusivamente. A gasolina e o óleo para os plenos foram  oferecidos num gesto de simpatia, que caiu bem a quem tinha um magro orçamento. No dia 20 de Abril os aviadores portugueses rumaram ao Cairo. Não tinham ninguém à espera, o telegrama enviado de Benghazi chegou depois. No dia anterior à chegada do “Pátria”, tinha descolado do Cairo, o inglês Mac Laren que estava a tentar a volta ao mundo (sem êxito). Com a chegada ao Cairo o “Pátria” completou 8.000 Km, tornando-se no primeiro avião português a cruzar o Norte da África. A breve estadia no Egipto foi repartida entre a visita às pirâmides, a audiência com o Rei Fuad I e as revisões ao aparelho. No dia 23 de Abril, o “Pátria” rebentou um pneu ao descolar do Egipto, o trem ficou danificado e como não havia outro para o substituir foi decidido utilizar um trem de um avião inglês, um DH-9 muito parecido com o Breguet 16.Resolvida a emergência rumaram a Rayak. O Suez, a Palestina vão ficando para trás com o “Pátria” a voar serenamente a 600 metros de altitude. Lago Tiberíades, Beirute e as montanhas são sobrevoadas sem dificuldade. A descida para a cidade de Rayak faz-se numa descendente fortíssima. No aeródromo, base das Esquadrilhas Francesas da Síria, os aviadores portugueses são recebidos com entusiasmo e admiração pelos colegas franceses. No dia 26 de Abril o “Pátria” está de novo no ar, cruzando a atmosfera fresca a 2.700 metros de altitude rumo a Bagdad, onde tocaram a terra escaldante duas horas depois. Logo de seguida chegou também Pelletier Doisy a caminho de Tóquio. No dia 25 de Abril deixaram Bagdad rumo a Bushire. A viagem de 900 Km foi feita através de um calor tórrido e sufocante. A partida da Pérsia foi atrasada pelo facto das autoridades exigirem um visto no passaporte para a partida. A situação acabou por ser resolvida com algumas “Rúpias” de um modo menos ortodoxo. No dia 2 de Maio, aterraram sem dificuldades em Bender-Abbas após um vôo de 670 Km. Pernoitaram em casa do cônsul Inglês e no dia seguinte rumaram à Índia, pela frente 750 Km para serem percorridos sobre o deserto com tribos de beduínos hostis. Pouco tempo após a descolagem, foram envolvidos por uma tempestade de areia:
 «Céu e terra desaparecem ao nosso olhar. E uma névoa estranha, de areia e vapor de água, azorragada pelo “Knout” furiosa de um vento colérico, tremendo, onde o “Pátria” entra como um comboio num túnel.»(*)
O motor enfraquece abalado pela tormenta e vai perdendo rotações. Os montes de Ormarah são sobrevoados a poucos metros. O motor continua a falhar e prepara-se uma aterragem de emergência. Durante a descida, fazem-se tentativas para recuperar a potência, uma delas tem êxito:
«o motor entoa a sua canção sonora e cadenciada, e ao ouvi-lo, renasce a esperança nos nossos corações.»(*)

Pátria I em Carachi
Já perto do destino o tempo melhorou e o “Pátria” aterrou tranquilamente no  escaldante aeródromo de Drigh Road em Carachi, após um inferno de mais de 6 horas de voo. A tripulação foi recebida por uma delegação de goeses e pelo comandante do centro de aviação inglesa que ofereceu todo o apoio necessário. No dia 7 de Maio às primeiras horas da manhã o “Pátria” estava de novo no ar, e foi mais uma vez surpreendido pelo mau tempo:
«A visibilidade piora a cada momento. Procuramos subir, apesar disso, na esperança de uma atmosfera mais fresca... o “Pátria” começa a afundar-se lentamente, a perder altura, não conseguindo sustentar-se na atmosfera rarefeita e ardente... Sofremos horrorosamente. Gouveia desapertado, mal pode respirar. Brito Pais transpira copiosamente, e eu necessito de toda a energia dos meus nervos para continuar lutando... às dez horas e trinta e cinco, estamos a trezentos metros do solo. A descida acelera-se num furacão de areia, em que o “Pátria” se debate lastimosamente... Exausto, explico como posso a Brito Pais, o estado em que me encontro, e resolvemos aterrar. Junto a uma aldeia nativa, um quadrilátero de areia bem delineada, parece-me propício. Reduzo o motor e preparo a aterragem na tensão última de toda a energia que me resta.»(*)
Já perto do chão uma rajada forte de vento envolveu o avião que se partiu no contacto com o solo. Os aviadores escaparam ilesos mas sem a possibilidade de continuarem. O grande companheiro de aventura ficou transformado num monte de destroços. Os habitantes de uma aldeia próxima acolheram os portugueses e ajudaram a transportar os restos do avião até à estação de comboio mais próxima, Pipar Road. A viagem até Jodhpur (cidade onde o “Pátria” deveria ter aterrado), levou 2 horas, num comboio pacato e quente como um forno. O Marajá da cidade, por cortesia e tradição, alojou os aviadores portugueses no seu palácio. A tranqüilidade da habitação contrastava com a inquietação dos aviadores.Como prosseguir a viagem?


  • O Pátria II continua a viagem 


Com o avião destruído foram feitos todos os esforços para a missão continuar. Os telegramas cruzaram-se entre Lisboa e Jodhpur. Cifka Duarte prometeu outro avião e assegurou o empenho nacional na continuação da missão. Esperar por outro aparelho significava perder muito tempo. Foi proposta uma alternativa, comprar na Índia outro avião. A ideia foi apoiada por Lisboa, e a viagem pôde continuar.
Patria II

O avião escolhido foi um DeHavilland DH-9A com um motor de 450cv, comprado por 4.700 libras. Os restos do “Pátria” foram encaixotados e enviados para Lisboa. No dia 30 de Maio de 1924 o “Pátria II” descolou às primeiras horas da manhã, rumo a Ambala. Durante as duas horas do voo, foi acompanhado por um avião da aviação militar inglesa, pilotado pelo Tenente Oliver, oficial que deu aos portugueses instrução no novo avião. No dia 1 de Junho o “Pátria II” chegou a Calcutá após uma viagem calma de 850 Km, sobre a região fértil de Ganges e as montanhas de Parasnath. À chegada, uma temperatura de 42º à sombra e uma delegação de Oficiais Ingleses. À noite, durante um banquete o Tenente inglês Laws, fez rasgados elogios aos portugueses, por terem continuado tal viagem num avião que desconheciam. No dia 4 de Junho partiram para Akyab. À chegada, Panderleith, o piloto que acompanhou Mac Laren, felicitou os portugueses e contou alguns problemas que tiveram até ali:
 «Quatro motores, um trem de aterragem, um hélice, um avião... Para percorrer no dobro do tempo pouco mais da distância que o “Pátria” percorrera.»(*)
No dia 6 de Junho o “Pátria II”, chegou a Rangoon, embora Mac Laren  tivesse profetizado que os portugueses não conseguiram passar a cordilheira do Arakam Yoma. O inglês, optou pelo sobrevoo da costa para evitar as montanhas. Os portugueses cruzaram a cordilheira e aterraram em Rangoon, num campo de corrida de cavalos:
 «Consigo aterrar à terceira tentativa, depois de passar mais baixo que o alto minarete de Grande Pagode e de escapar à teia de aranha dos fios telefónicos... A viagem fatigou-nos extraordinariamente, devida à longa permanência a quatro mil metros.»(*)
 No dia 9 de Junho o “Pátria II” aterrou em Bangkok, e no dia 11 em Oubon. A viagem aproximava-se do fim. No dia 12 rumaram muito cedo a Hanói uma etapa de quase 900 Km o “Pátria II” cruzou a grande altitude o mar da China, e durante o sobrevoo o motor começou a falhar:
«E como à medida que avançamos, a vibração aumenta, troco com Brito Pais a seguinte
correspondência, que reproduzo textualmente:
– Brito Pais; o motor trabalha mal. Não sei se chegará a Hanói.
- O motor é consigo. Se lhe parece conveniente, aterre, o campo de vinha, está na sua frente.»(*)
A decisão foi continuar:
 «O tempo piorou, a visibilidade reduziu-se, obrigando-nos a voar junto aos arrozais, onde aterrar poderia significar uma capotagem, com todas as consequências. A orientação, no labirinto dos braços do rio, exige a Brito Pais um trabalho insano»(*)
Ao meio-dia aterraram em Sontai, próximo de Hanói, após uma fase final de voo a 20 metros do solo para não perderem a visibilidade. No dia 20 de Junho o “Pátria II” descolou de Sontai rumo a Macau. À sua frente mais de 1.000 Km para serem percorridos. A Baía de Tonkin com cúmulos acastanhados ficou para trás:
 «O motor funcionava admiravelmente, o tempo conservava a transparência de um dia de Novembro, no nosso pensamento só uma ideia vivia, só uma aspiração
vibrava - Chegar a Macau»(*)
Aguaceiros cada vez mais intensos, obrigaram o “Pátria II” a subir para 2.800 metros para escapar à tempestade. Em vão, o tempo não melhorou. O voltímetro e o gerador deixaram de funcionar. Aproveitando uma abertura na nebulosidade desceram até perto do chão :
«Sobe o açoite furioso dos aguaceiros densos, rompemos para o Istmo de Macau, e passamos sobre a Ilha Verde e as Portas do Cerco.»(*)
Sem conseguirem aterrar, Brito Pais informou Sarmento de Beires, que devia continuar rumo a Norte, para Cantão. Mas o vento não permitiu, e em alternativa rumaram a Leste, para Hong-Kong:
«São cinco minutos de voo inacreditável, indescritível, irreal. O aparelho parece levado como uma folha de árvore, na violência do furacão»(*)
Patria II acidentado perto da aldeia de Shum-Chum 
na China
O motor foi perdendo potência, até que parou esgotado. O “Pátria II” sobrevoou a linha férrea para Cantão e preparou-se para uma aterragem forçada. Um pequeno campo perto de um cemitério chinês acolheu o avião que se imobilizou ao fim de 100 metros. Bateu numa sebe, partiu hélice e o trem de aterragem. A viagem terminou ali. Macau tinha sido sobrevoada mas o mau tempo não tinha
permitido a aterragem. A população tinha escutado o ruído do “Pátria II” envolto na bruma chuvosa. Debaixo de chuva, Sarmento de Beires e Brito Pais, caminharam para a pequena cidade chinesa próxima do local da aterragem de emergência onde ninguém falava uma palavra de inglês. Sempre debaixo de chuva, continuaram a caminhada até à fronteira com Hong-Kong, onde foram recebidos pela colónia portuguesa e pelo cônsul. No dia 21 de Junho a canhoneira “Macau” da Marinha Portuguesa, chegou a Hong-Kong. O navio tinha andado o dia anterior em buscas para encontrar o “Pátria II” que se pensava ter-se despenhado no mar devido ao mau tempo. No dia 23, um grupo de mecânicos desmontou o “Pátria II” e no dia 25, Sarmento de Beires e Brito Pais, chegaram a Macau, a bordo da Canhoneira. Foram recebidos entusiasticamente, um prémio para a coragem e tenacidade que demonstraram, numa das mais importantes viagens aéreas dos anos 20. Para trás ficaram 16.380 Km percorridos em 115H45M. Sarmento de Beires, Brito Pais e Manuel Gouveia, três pioneiros que inscreveram o seu nome e o de Portugal na História da Aviação.

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FONTES
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NOTA FINAL
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O motor do Pátria está em exposição no Museu do Ar