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| (...) «Não tínhamos atingido a Costa do Brasil, mas tínhamos realizado a mais longa etapa controlável até hoje realizada em hidroavião, percorrendo, de facto 2595 quilómetros desde a Guiné a Fernando de Noronha. Castilho acabava de confirmar ao Mundo, com uma noite inteira de navegação astronómica - feito inédito nos anais da navegação aérea - o valor do sextante que Gago Coutinho inventou» (...) |
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- O projeto
Da esquerda para direita. Sarmento de Beires, Jorge Castilho e Manuel Gouveia, os portugueses do Argos |
Em 1926 o major Sarmento de Beires, retomou a ideia e
conseguiu juntar esforços e vontades para um novo projeto de volta ao Mundo.
Foi então adquirido para o efeito um hidroavião Dornier Wal,
um bimotor batizado com o nome de Argos. Sarmento de Beires projetou a viagem
via Brasil, Ilha de Páscoa, Samoa, Nova Caledónia, Timor, Ceilão, Índia e
Egipto.
No dia 3 de Março de 1927, o Argos, descolou de Alverca
tripulado pelo major Sarmento de Beires, capitão Duvalle Portugal, tenente
Manuel Gouveia e capitão Jorge Castilho, este último responsável pela
navegação.
Chegada do Argos a Alverca |
No dia 11 de Março chegaram à Ilha de Sogá nos Bijagós, após
terem escalado Casablanca, Vila Cisneros (actual Sara Ocidental) e Bolama.
Os dias passados na Guiné foram repartidos entre pequenas
reparações e os preparativos finais da Grande Aventura. Ficou decidido que o
capitão Portugal, não efetuaria o voo transatlântico para permitir uma
descolagem com mais combustível.
Pela primeira vez na história da aviação o Atlântico Sul iria ser cruzado de noite, com êxito, cinco anos após o voo de Sacadura Cabral e Coutinho. (O voo do Argos confirmaria mais uma vez, a eficácia da navegação astronómica baseada no sextante com horizonte artificial concebido por Gago Coutinho por ele denominado de «astrolábio de precisão).
- A Travessia
Ensaio do Argos no Tejo |
No dia 16 de Março, o Argos deixou os Bijagós e rumou a Sudoeste com o céu limpo e o Sol a esconder-se no horizonte. Uma hora depois «a noite fechara por completo, e as águas glaucas do Atlântico onde afloravam ainda alvuras de espuma, perdiam um pouco da sua tonalidade azul-da-prússia, atingindo as tenebrosidades inquietas do quase negro».
As primeiras horas de voo decorreram sem sobressaltos. Jorge
Castilho alojado no espaço minúsculo do compartimento da proa efetuava as
primeiras observações dos astros com um sextante semelhante ao de Gago
Coutinho, no qual tinha ele próprio introduzido adaptações, uma lâmpada para
iluminar a bolha de nível e uma pega especial para permitir a utilização da mão
esquerda, deixando a direita livre para escrever:
Ensaios do Argos no Tejo |
«Sentado na minha
posição normal de costas para a marcha, tinha na minha frente, na antepara que
me separava dos pilotos, uma pequena estante de contraplacado para arrumação
dos meus livros. Na parede da esquerda, uma tábua em que estavam fixadas várias
tabelas. À direita, no chão, a caixa do sextante e a dos cronómetros. Ao meu
lado uma tábua que posta em cima dos joelhos me servia de mesa de trabalho. A
um canto, um saco com bóias de fumo. Em vários outros alojamentos diferentes,
pequenos objectos como lápis, borracha, transferidores, compasso, régua,
cigarros, fósforos, relógio com a hora oficial de bordo - hora de Greenwich - e
alguns retratos a alegrar o ambiente.»
Com um ligeiro vento de
frente e a voar a pouco mais de 60 metros sobre o oceano o
Argos teve o primeiro sobressalto pelas 23 horas após o tenente Gouveia
ter inspecionado os motores referindo ao major Beires:
«uma das bombas Martin
do motor de trás, deixou de funcionar. Parei-a para evitar a perda
de gasolina.»
Em Alverca |
Ficaram a funcionar apenas três bombas e ficou também a
dúvida sobre quanta gasolina se teria derramado com a avaria e o que isso
poderia significar para o êxito ou fracasso da viagem.
À meia-noite Castilho enviou a Beires o primeiro balanço de
voo, 850 quilómetros percorridos à média de 142 quilómetros por hora com o
consumo de 1136 litros de gasolina.
Beires considerou as informações desconsoladoras mas ainda na margem de
segurança.
Às duas horas da manhã surgem os primeiros sinais de fadiga:
«Começamos a sentir
cansaço. Castilho muda frequentemente de posição, já não sabendo como arrumar o
corpo, examinando constantemente o céu, em busca de astros de observação mais
fáceis. Sinto os braços doloridos, e uma vaga sonolência começa a invadir-me».
Em voo |
Às 3 horas, uma massa de nimbos ameaça com ligeiros
chuviscos. Para combaterem a fadiga e o sono a tripulação mastigou algumas
nozes de cola. Em meia hora o tenente Gouveia conseguiu resolver duas situações
complicadas, uma fuga de gasolina resultante da fratura de uma braçadeira e uma
avaria na canalização da água do arrefecimento de um dos motores:
«Assim, por duas vezes
o Argos esteve em riscos de amarar em pleno Atlântico, no meio das trevas. Sem
a presença de Gouveia, talvez pairasse sobre o seu destino o mesmo mistério
desolador que pairará eternamente sobre tantos aviadores desaparecidos no mar».
Às 4 horas da manhã, a chuva começou a aumentar e uma hora
depois o Argos foi envolvido por uma violenta tempestade. A bordo viveram-se
momentos difíceis:
O Argos no Recife |
«A chuva encharca-nos,
e correntes aéreas desencontradas lutam no interior da avalancha aquática.»
O Argos sobreviveu.
Às 6 horas o dia começou a nascer, e minutos depois
sobrevoou os penedos de S.Pedro e S. Paulo.
«Impressiona-me a ideia de que só dois aviões e ambos portugueses,
o Lusitânia e o Argos, por aqui voaram. Vem-me ao espírito a lembrança de que
em todo o avião português deveria haver um exemplar de ‘Os Lusíadas’. Gago Coutinho, alma de poeta,
não o esqueceu ao organizar a biblioteca do Lusitânia.»
Pouco depois das 8 horas, passaram o Equador e avistaram o
primeiro sinal de vida na imensidão do oceano, um navio navegando para
Nordeste.
O Argos em Belém do Pará |
Às 10 horas Castilho fornece a Beires mais um balanço de
voo, 150 quilómetros de velocidade média, apenas 500 litros de gasolina e a uma
distância de 200 quilómetros da Ilha de Fernando Noronha e a 600 do Natal. Não
era possível chegar à costa brasileira, seriam 5 horas de voo e o combustível
só permitia pouco mais de 2 horas. Sarmento de Beires, decidiu rumar a Fernando
Noronha. No meio da solidão do Oceano, mudaram de rumo. Mais do que nunca a
precisão da navegação teve que ser eficaz para descobrir a pequena ilha
brasileira situada a 400 quilómetros do continente brasileiro:
«A corrida para
Fernando Noronha começou enervante, olhar perscrutando o horizonte, corações
batendo numa cadência inquieta. O mar de novo ermo, de novo imenso, de novo
ameaçador, tem largas ondulações que quase roçam a coque do avião, tão baixo
voamos.»
Às 11 horas restam 360 litros de gasolina, pouco mais de uma
hora de voo, pelos cálculos faltavam 150 quilómetros:
O Argos na Baia de Guanabara |
«A ilha tem dez
quilómetros na sua máxima extensão, a visibilidade horrível, e podemos vará-la
facilmente.»
Ao meio dia Beires sobe para os 800 metros e vê ao longe um
contorno muito ténue, pareceu-lhe a ilha e rumou para lá. Minutos depois
confirmou e às 12 horas e 20 minutos o Argos
amarou suavemente na baía de Santo António. Nos depósitos, já só restava
combustível para poucos minutos de voo.
«Não tínhamos atingido a Costa do Brasil, mas tínhamos
realizado a mais longa etapa controlável até hoje realizada em hidroavião,
percorrendo, de facto 2595 quilómetros desde a Guiné a Fernando de Noronha.
Castilho acabava de confirmar ao Mundo, com uma noite inteira de navegação
astronómica - feito inédito nos anais da navegação aérea - o valor do sextante
que Gago Coutinho inventou».
O Argos tinha voado sem escala 18 horas e 12 minutos. Até à
altura o mais longo voo noturno efetuado na história da aviação. O Atlântico
Sul ficou a pertencer definitivamente à memória da aviação portuguesa.
- Epilogo
No Hangar em Ponta do Galeão (Rio de Janeiro) |
No dia 18 de Março, os portugueses deixaram Fernando de
Noronha, rumo ao Natal num voo tranquilo que durou pouco mais de 2 horas. À
chegada foram recebidos por uma multidão eufórica.
De Portugal chegou apenas um telegrama de Gago Coutinho. Do
Governo português, o silêncio:
«A nossa sensibilidade sofre e a nossa
inteligência pressente.»
A instabilidade política que se vivia em Portugal, relegou para
um lugar injustamente secundário a magnífica viagem do Argos. No Brasil os aviadores portugueses, receberam convites para
escalarem o Recife e a Baía, escalas não previstas que atrasariam a viagem para
o Rio e o prosseguimento para o Chile e Pacífico.
Sarmento de Beires não querendo assumir a responsabilidade, pediu
instruções à Arma de Aeronáutica Militar, que em telegrama de 20 de Abril
recomendou as escalas nas duas cidades brasileiras para não ferir
susceptibilidades, no Brasil.
Os aviadores que tinham partido de Alverca para darem a
volta ao Mundo viram-se envolvidos numa missão diplomática. Enquanto o
telegrama de felicitações do Governo de Portugal tardava em chegar, foram
recebendo felicitações dos Governos Francês, Espanhol, Italiano e Brasileiro.
Em Potengy |
No Recife danificou-se um dos hélices. O atraso provocado
pela dificuldade de substituição, fez passar a data aconselhável por motivos
meteorológicos para voar no Pacífico.
Só quando chegaram ao Rio de Janeiro receberam um telegrama
do Governo Português a sugerir que o Argos regressasse imediatamente via Cabo
Verde e Madeira. A sugestão do Governo era pouco aconselhável devido às más
condições meteorológicas. Sarmento de Beires aconselhado por Gago Coutinho
optou por regressar via América do Norte, Terra Nova e Açores, regresso este
que se iniciou no dia 1 de Junho.
No dia 5, já no regresso, descolaram às 9 horas da manhã de
Belém do Pará rumo às Guianas. Às 12 horas e 25 minutos dobraram o Cabo Norte.
Pouco depois uma janela de inspeção da asa esquerda abriu-se e a deslocação do
ar provocou um rasgão de grandes dimensões na tela.
Sarmento de Beires amarou de emergência. Castilho determinou
o ponto, 2.° 41 ’ de latitude norte, 50.° 29’ de longitude oeste, a 40
quilómetros da costa.
O tenente Gouveia ainda conseguiu reparar a tela, mas o
estado do mar não permitiu a descolagem. Um rombo no flutuador direito ditou a
sentença:
«O Argos estava morto.
Ingrata, bem ingrata missão, a de conduzir um avião de raide! Porque ninguém
avalia, ninguém compreenderá nunca, a tortura cruciante, a punhalada dolorosa
desses instantes em que estupidamente, brutalmente, o destino põe um ponto
final nos nossos sonhos, fazendo-nos estalar nas mãos, os músculos metálicos da
aeronave que conduzimos.»
Às 18 horas a tripulação foi recolhida por uma canoa de
pescadores. No dia 27 de Junho, Sarmento de Beires, Jorge Castilho e Manuel
Gouveia chegaram a Lisboa a bordo do navio “Hildbrand”:
«Embora, de facto, não
esperássemos festejos, não deixou de nos impressionar a atmosfera glacial e
quase irónica que nos envolveu ao chegar.»
Estava-se em 1927,
Portugal vivia o fim dos tempos turbulentos da 1ª República e comemorava o 1.°
ano da Revolução de 28 de Maio de 1926. Talvez por este motivo tenha sido quase
ignorado um dos mais importantes voos da história da aviação.
Pouco tempo depois chegou o reconhecimento, a tripulação foi
condecorada com a Torre e Espada que hoje ocupa um merecido lugar de destaque
no Museu do Ar. Como escreveu Sarmento de Beires só a História tem alma para a
valorizar devidamente.
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FONTES
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- Texto de autor desconhecido, adaptado, Ed. Museu do Ar
- Beires, Sarmento. “Asas que Naufragam'' Ed. Clássica Editora, Lisboa 1927.
- Jorge Castilho - “A Navegação do Argos”, In “As Viagens Aéreas dos Portugueses”, Ed. Aeroclube de Portugal.
- “Viagens Aeronáuticas dos Portugueses” Ed.Comissão dos Descobrimentos, Lisboa 1997
- Ex-ogma.blogspot.pt