Noções de aerodinâmica e teoria do voo

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A palavra aerodinâmica deriva do grego "aer", ar, e "dynamis", movimento.
Aerodinâmica é como a própria origem da palavra sugere o estudo do movimento de fluidos gasosos, relativo às suas propriedades e características, e às forças que exercem em corpos sólidos neles imersos. Entender a aerodinâmica e as suas leis é por isso vital para a aviação e aeronáutica.
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1. As Quatro Forças do Voo




1.1.O peso ou gravidade


O peso é uma força, sempre dirigida para o centro da terra, resultante da atração exercida pela gravidade sobre os corpos.

A magnitude desta força depende de todas as partes de uma aeronave, mais a quantidade de combustível, carga, passageiros etc. O peso é gerado por todo a aeronave mas podemos simplesmente imaginá-la como se atuasse num único ponto, chamado centro de gravidade. Em voo, uma aeronave gira sobre o centro de gravidade, e o sentido da força do peso dirige-se sempre para o centro da terra. O peso e a sua distribuição fazem variar o centro de gravidade de uma aeronave durante o voo e por isso o piloto deve constantemente ajustar os controlos, ou transferir o combustível entre os depósitos, para manter a aeronave equilibrada. A disposição da carga num avião deve ser planeada com cuidado, para não se alterar significativamente o seu centro de gravidade durante o voo, uma vez que o peso varia nomeadamente devido ao consumo do combustível. Para um voo equilibrado, a força de sustentação necessária deve estar localizada muito próximo do centro de gravidade.

1.2. A sustentação


A sustentação é a força que sustenta o avião no ar. Atua na vertical, de baixo para cima opõem-se à força da gravidade, ou peso do avião.

A maior parte da sustentação do avião é gerada pelas asas. Na sua deslocação no meio atmosférico, a asa funciona como um plano inclinado, a diferença de pressões entre as superfícies inferior e superior atira a asa para cima. O ar em movimento tem de percorrer mais caminho por cima da asa do que por baixo. Se a velocidade do ar aumenta por cima da asa, a pressão estática diminui, passa a ser menor que na parte inferior forçando a subida da asa na direção da pressão mais baixa.

Este fenómeno é designado por efeito de Bernoulli, graças à forma e orientação dos perfis aerodinâmicos, a asa é curva na sua face superior e está angulada em relação às linhas de corrente incidentes. Por isto, as linhas de corrente acima da asa estão mais juntas que abaixo, pelo que a velocidade do ar é maior e a pressão é menor acima da asa (o aumento da velocidade do ar reduz a pressão estática), ao ser maior a pressão abaixo da asa, gera-se uma força resultante acima chamada sustentação.

A diferença de pressões entre as duas superfícies produz 70% da sustentação. O impacto da pressão na superfície inferior produz os restantes 30% da sustentação.

A sustentação duma asa pode ser aumentada pelo ângulo de ataque, pela forma do perfil (perfil alar), pela velocidade do ar, pelo tamanho da asa ou pela densidade do ar.



O ângulo de ataque é o ângulo formado pelo perfil com a direção do vento relativo. A corda é a linha que une o bordo de ataque ao bordo de fuga. O vento relativo é o fluxo de ar à relação à asa, paralelo e oposto à direção do voo. Quanto maior for o ângulo de ataque maior a sustentação. Se um piloto deseja subir, levanta o nariz do avião para cima aumenta o ângulo de ataque. Mas se levanta demasiado o nariz do avião, aumentará tanto o ângulo de ataque que o avião entrará em perda. Com um ângulo de ataque muito grande, o ar não flui pela parte superior da asa, gera-se turbulência e desaparece a sustentação.


O ângulo de ataque difere do ângulo de incidência, que é formado pela corda da asa com a linha longitudinal do avião.

Factores que influênciam a sustentação do avião:

- As asas com maior comprimento e maior curvatura têm maior sustentação.
- Uma asa comprida e estreita tem melhor sustentação que uma asa curta e larga.
- Pontas de asas mais pequenas, desenvolvem menos vórtice e por isso menos arrasto.
- A razão entre a envergadura e a corda média é o alongamento e quanto maior o alongamento maior a eficiência.
- Quanto mais rápido é o avião maior a sustentação.
- A altas velocidades o ar flui mais rápido em torno das asas, decrescendo a pressão na superfície superior e aumentado o impacto na inferior.
- A densidade do ar varia com altitude, com a temperatura e com a humidade.
- Quanto maior é a densidade do ar maior a sustentação.
- Os hipersustentadores, como os flaps, slots e slats, são superfícies móveis que se destacam nas asas para reduzir a velocidade nas aterragens e nas descolagens. Quando acionados, , aumenta o arrasto e a sustentação, por aumento da superfície e da curvatura da asa.



1.3. A tração


A tração é a força que puxa ou empurra o avião para a frente e que se opõe à resistência ao avanço. Esta força pode ser conseguida por um hélice, por um reator ou por um motor de foguete.


1.4. A resistência ao avanço (arrasto)


A resistência ao avanço é a resistência do ar à progressão do movimento do avião, que se opõe à tração, produzida pelo motopropulsor.

Os princípios científicos desenvolvidos por Sir Isaac Newton e Daniel Bernoulli explicam o fenómeno. A terceira lei do movimento de Newton define que «a toda a ação se opõe uma reação igual e de sentido contrário».

Quanto maior for a resistência ao avanço, mais o motor tem de se esforçar para a ultrapassar.

A resistência ao avanço total é a soma da resistência ao avanço do perfil do avião, com a resistência ao avanço induzida, com a resistência ao avanço parasitária.

A resistência ao avanço do perfil é causada pela própria forma do perfil e pelo atrito do revestimento deste no ar.

Ao escoamento do ar na superfície exterior do avião é chamado atrito de fricção.

Embora fluído, o ar é viscoso.

As superfícies exteriores de um avião devem ser polidas para reduzir o atrito. A fina camada de ar que corre aderente às superfícies exteriores do avião é chamada de camada separadora. A sua velocidade é mais baixa do que a corrente principal por causa do atrito de fricção. O fluxo de ar na camada separadora pode ser descrito como laminar ou turbulento. No fluxo laminar o ar move-se em palhetas ou camadas, que deslizam suavemente umas sobre as outras. No fluxo turbulento as camadas estão desordenadas, provocam resistência ao avanço.

Alguns sistemas podem controlar a resistência ao avanço provocado pela camada separadora.

A resistência ao avanço induzida resulta da própria sustentação. Isto é causado pela aceleração de lâminas de ar a alta velocidade que atravessam a superfície curva da asa. Logo que estas lâminas abandonam o bordo de fuga, criam um deslizamento para baixo, interrompem o normal fluxo de ar que sai por baixo da asa.

A resistência ao avanço parasitária resulta de outras partes do avião, como as restantes superfícies de sustentação.

2. Estabilidade e controlo do avião


A estabilidade e o controlo de um avião em voo são umas das principais preocupações da engenharia aeronáutica.

2.1. Estabilidade


Um avião está em estado de equilíbrio, quando a soma de todas as forças que agem sobre ela, e a soma de todos os momentos é igual a zero. Um avião em equilíbrio não sofre aceleração, e mantém um voo em condição uniforme. Uma rajada de vento ou uma deflexão dos controlos, alteram o equilíbrio, e a aeronave sofre uma aceleração, devido ao desbalanceamento dos momentos ou das forças. A estabilidade estática define o comportamento de uma aeronave em estado de equilíbrio após sofrer uma perturbação. A estabilidade estática pode ser ainda classificada de positiva, negativa e neutra.

Diz-se que um avião tem estabilidade estática positiva quando este tem tendência para regressar ao estado de equilíbrio que possuía antes da perturbação, após esta ter terminado (a).


Um avião tem estabilidade estática negativa quando este tem tendência para se afastar cada vez mais do estado de equilíbrio que possuía antes da perturbação, após esta ter terminado (b).


Diz-se que um avião possui estabilidade estática neutra quando este mantém a nova atitude que a perturbação lhe impôs, logo que esta termina (c).

A estabilidade dinâmica refere-se ao movimento, ou variação da posição do avião, com o tempo se o avião for desviado do seu ponto de equilíbrio. O resultado do seu movimento durante um determinado período de tempo dá a indicação da sua estabilidade dinâmica.

Estabilidade dinâmica positiva – Um avião tem estabilidade dinâmica positiva quando a amplitude do seu movimento, em relação ao ponto de equilíbrio, diminui com o tempo.

Estabilidade dinâmica negativa – Diz-se que um avião tem estabilidade dinâmica negativa quando a amplitude do seu movimento, em relação ao ponto de equilíbrio, aumenta com o tempo.

Estabilidade dinâmica neutra – Um avião tem estabilidade dinâmica neutra quando a amplitude do seu movimento, em relação ao ponto de equilíbrio, permanece constante.

O diedro, que num avião visto de frente mostra a ponta das asas mais altas que a sua raiz, é o responsável pela estabilidade. Se uma das asas desce, ganha mais sustentação, o avião endireita por si mesmo. Compensadores nas asas atuam na estabilidade ao mesmo tempo e da mesma maneira. A estabilidade lateral é conseguida com a criação de maior resistência ao avanço na asa que tende adiantar-se à outra.

2.2. Controlo



O movimento de um avião realiza-se em torno de três eixos: O eixo transversal, o vertical e o longitudinal. Todos estes três eixos, que são perpendiculares entre si e passam pelo centro de gravidade.

Rotação em torno do eixo transversal ou lateral – picada, (o avião sobe ou desce o nariz, em torno do eixo transversal que se estende duma ponta da asa à outra).

Rotação em torno do eixo vertical – guinada (em movimento lateral, o avião gira à esquerda e à direita, em torno do seu eixo vertical, que passa verticalmente pelo centro da fuselagem).

Rotação em torno do eixo longitudinal – rolamento, (o avião roda sobre si mesmo, levantando ou baixando uma ou a outra ponta da asa, em torno do seu eixo longitudinal, que se estende do nariz à cauda).

É a empenagem e as asas que são responsáveis pela estabilidade e controlo do avião em torno dos seus eixos. O estabilizador horizontal, evita a picada; o estabilizador vertical, evita a guinada; as asas, evitam o rolamento.


3. Outros efeitos sobre a estabilidade e controlo do avião

3.1. Efeito torque


Chama-se “Efeito Torque” à tendência que qualquer motor tem de rodar sobre si mesmo em sentido contrário à rotação do eixo a que dá movimento.

3.2. O Efeito giroscópico


O efeito giroscópico é o efeito que nos permite andar de bicicleta sem cair, é também o efeito que mantém um pião em rotação na vertical.

Este efeito é resultado do princípio da inércia, que faz com que um eixo em rotação tenha um efeito de memória que guarda direção fixa em relação ao círculo máximo.

Quanto maior for a velocidade de rotação, mais difícil se torna alterar o plano de rotação devido ao aumento da Força centrífuga (a esta propriedade chama-se rigidez).

O efeito giroscópico tem duas propriedades:

a) Rigidez - qualquer roda ou rotor - tende a manter o seu plano de rotação, ao mesmo tempo a contrariar qualquer tentativa de alteração a esse estado.

b) Precessão - por maior seja a velocidade de rotação, a força centrífuga, há sempre uma força externa capaz de alterar o seu plano de rotação (inclinar o disco a um ou outro lado). Porém a alteração do plano de rotação faz-se de forma peculiar, a 90º do ponto de aplicação da força.

Esquematizando:

(1) Um disco a rodar no sentido dos ponteiros de um relógio sobre o seu centro (a) (eixo vertical);

(2) Aplicamos uma força perpendicular ao disco no ponto (b);

(3) Pela precessão a força vai fazer sentir-se no ponto (c);

Se um avião volta para a direita, o disco varrido pelo hélice roda também. Resulta uma força de tracção na esquerda do disco. Devido à precessão, o efeito dessa força vai atuar 90º. depois, na parte superior do disco: O disco tende a inclinar para frente, o monomotor mete o nariz em baixo para descer...

A força que faz o disco do rotor inclinar em qualquer direcção está a actuar exactamente 90º. depois do ponto onde as pás têm maior incidência e sustentação.

O efeito giroscópio foi descoberto em 1817 por Joham Bohnenberger, e em 1852 o físico francês Léon Foucault inventou e nomeou como giroscópio, giro (girar) e scopio (observar). Qualquer objeto em rotação adquire características giroscópicas, a mais importante e de interesse no estudo da Física, sendo um dos princípios de conservação, é o “princípio de conservação do momentum angular”, também conhecido como “rigidez no espaço”. Outra propriedade a ser considerada é a “precessão” fenômeno que ocorre quando uma força externa constante tenta mudar o plano de rotação do objeto, ou melhor, quando existe um torque variando a direção do eixo de rotação do corpo.

A explicação para o efeito de rigidez no espaço é baseada na lei da inércia, ou primeira lei de Isaac Newton (*), pela qual um corpo em movimento tende a permanecer em movimento a menos que uma força externa atue sobre ele tirando-o dessa condição, valendo assim tanto para o movimento em linha reta como no circular (giratório). Mas se houver um torque externo resultante atuando sobre ele o momentum angular não se conserva surgindo então o movimento de precessão.


4. Voo a alta velocidade


Embora alguns caças com motor de pistão da Segunda Grande Guerra chegassem a voar perto da velocidade do som, só mais tarde os aviões de jacto ultrapassaram aquela velocidade.

Todavia, a alta velocidade colocou diversos problemas à engenharia.

O problema básico é a compressibilidade do ar. À velocidade subsónica (menor que a velocidade do som) a asa cria ondas de pressão que se movem à frente, à velocidade do som: «que "avisam" as partículas de ar no caminho, que a asa vem atrás». É como os batedores da policia, a avisar que a comitiva vem atrás. As partículas de ar alertadas mudam de direcção, seguem o caminho da forma da asa.

Na velocidade transónica, no limite de atingir a velocidade do som, na qual o avião está perto e ligeiramente atrás daquela velocidade, as ondas de pressão não podem "avisar" as partículas à frente. O ar amontoa-se em ondas de choque. As asas e as superfícies de controlo de voo começam a vibrar e a zumbir; os comandos invertem-se; o avião é sacudido.

Uma onda de choque provoca um estrondo sónico que se ouve na esteira do avião. Assemelhando-se a um tiro de canhão ou a um trovão, pode ouvir-se distintamente a alguns quilómetros, por vezes, até partir vidros de janelas.

As velocidades supersónicas são superiores à velocidade do som. São medidas em Mach, o nome do cientista austríaco Ernst Mach, e expressa a razão entre a velocidade do avião e a velocidade do som.

Será Mach 1 se as duas velocidades forem iguais; se maior ou menor em decimais. Por exemplo, Mach 0.8 se fôr 0.8 a velocidade do som, Mach 1.5, se for uma vez e meia superior.

Depois do avião penetrar na barreira sónica, o voo passa a ser suave, porque passa a voar mais rápido que as ondas de pressão. Ficam para trás, não causam ondas de choque.

Os aviões supersónicos têm asas curtas e delgadas, com o bordo de ataque das asas afiados como navalhas.

A velocidades extremamente altas os aviões encontram a barreira térmica; provocada pela fricção do revestimento com o ar. A Mach 3 a temperatura da camada separadora é de cerca de 600° F. Apenas alguns materiais suportam estas temperaturas.


Notas:
(*)
1ª Lei de Newton:
Na ausência de forças resultantes, um corpo em repouso continua em repouso. Já um corpo em movimento continua em movimento em linha reta e com velocidade constante.
2ª Lei de Newton:
A mudança de movimento é proporcional à força motora imprimida, e é produzida na direção da linha reta na qual aquela força é aplicada
3ª Lei de Newton:
Para toda ação haverá uma reação de igual intensidade,porém em sentido contrário.


Fontes:
http://aerodino.no.sapo.pt/
https://pt.wikipedia.org/
https://en.wikipedia.org/
António Vicente, COMPÊNDIO DE AERODINÂMICA BÁSICA, MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, FORÇA AÉREA PORTUGUESA, CENTRO DE FORMAÇÃO MILITAR E TÉCNICA


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