Alberto Santos Dumont - Pai da aviação



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Passados 85 anos de seu trágico último ato, em 23 de julho de 1932, durante a Revolução Constitucionalista brasileira, Alberto Santos Dumont continua a ser para a maioria dos brasileiros o maior herói científico que o país já teve. Muitos brasileiros conhecem a sua saga, contada e recontada nos livros escolares, mas para o resto do mundo Alberto Santos Dumont é digno de pouco mais do que uma nota de rodapé nos livros de história, com os seus feitos no domínio da conquista do ar ofuscados pelos largamente divulgados feitos dos irmãos Wilbur Wright e Orville Wright, seus contemporâneos. 
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A aviação não nasceu do contributo de apenas uma pessoa mas foi resultado dos esforços por vezes heroicos e destemidos de um largo grupo de pioneiros que por todo o mundo ansiaram e tentaram voar. Entre eles podemos destacamos Leonardo Da Vinci que desenhou os primeiros esboços de maquinas voadoras, o padre luso-brasileiro Bartolomeu de Gusmão, pioneiro na aeroestatação na Europa, ou Otto Lilienthal, uma das primeiras pessoas a planar numa máquina mais pesada do que o ar entre muitos outros. As experiencias destes pioneiros culminaram na criação do primeiro avião, façanha atribuida aos norte americanos Orvile e Wilbur Wright. Mas enquanto os irmãos Wright, experimentavam o seu Flyer I, sob uma atmosfera de profundo secretismo em Kitty Hawk, Carolina do Norte, na Europa, em Paris, um outro pioneiro fazia tentativas para colocar no ar uma maquina motorizada mais pesada que o ar, capaz de, pelos seus proprios meios levantar voo, sutenta-lo e voltar ao solo. 

Santos Dumont no 14-bis
Este pioneiro era o brasileiro, a viver em Paris, Alberto Santos Dumont, cuja paixão pelo voo o levou a criar a durante a primeira decada do Século vinte um vasto leque de maquinas voadoras, inicialmente aerostatos, mas depois veiculos motorizados mais pesados que o ar o mais famoso dos quais o 14-bis que realizou o primeiro voo homolegado por uma autoridade da aviação e posteriormente o Demoiselle, o primeiro avião ultraleve e o primeiro avião a ser construido em massa. Para muitos brasileiros Alberto Santos Dumont é por isso considerado o pai da aviação.

Pelo que foi referido, podemos concluir que a aviação não surgiu como invenção de único homem, mas antes do resultado do esforço conjunto de inúmeros pioneiros ao longo de vários séculos. A aviação não tem, pois, um pai mas muitos e a importancia que se atribui a cada um deles será sempre descutivel e relativa.

  • Porque é que Santos Dumont não é considerado o inventor do avião ?

Esta é uma questão que gera grandes debates, mas apenas no Brasil. Para o resto do mundo (incluindo a França onde Santos Dumont desenvolveu a sua atividade no âmbito da aeronáutica), a invenção do avião é atribuída aos norte americanos Orvile e Wilbur Wright. 

Porquê então esta pretensão de muitos brasileiros em atribuir a invenção do avião a Santos Dumont ? Será assim tão desprovida de sentido?

O voo do 14-bis
Muitos dos defensores de Santos Dumont como inventor do primeiro avião resumem a sua argumentação a dois voos históricos. O voo do Flyer I dos irmãos Wright na Carolina do Norte em 17 de dezembro de 1903 em que teriam sido percorridos 260 m em 59 segundos e o voo do 14-Bis de Santos Dumont em Paris em 12 de novembro de 1906 em que foram percorridos 220 m em 21,5 segundos. Apesar do voo dos irmãos Wright ter sido realizado três anos antes, os defensores de Santos Dumont alegam que ele terá sido realizado com o auxílio de uma catapulta e por isso o Flyer I não decolou pelos seus próprios meios, ao contrário do 14-bis que decolou autonomamente com o seu próprio motor.

Temos aqui um ponto a favor dos defensores de Santos Dumont mas… poderemos verdadeiramente considerar que estes aparelhos fizeram realmente um voo ?

Desconsiderando o facto do Flyer I só ter decolado com auxílio de uma catapulta, outro facto é que ambos os aparelhos se limitaram a voar em linha reta a muito baixa altitude e numa curtíssima distância. Já anteriormente em 1890 o francês Clément Ader tinha feito um curtíssimo voo de 50 m a 20 cm do chão, com uma máquina motorizada, e o alemão Otto Lilenthal fez mais de 2 mil voos com os seus planadores, e estes são apenas dois dos muitos candidatos a primeiros humanos a voar, pois os turcos afirmam que Hezârfen Ahmed Çelebi voou por mais de 3 km através do Estreito do Bósforo no século 17. 

14-bis 
Porém um avião não é uma máquina que voa em linha reta, é um aparelho cujo voo tem necessariamente que ser controlado, decola pelos seus próprios meios, sobe, desce, faz curvas, permanece no ar enquanto o piloto quiser ou o combustível durar e aterra no solo. 

Nem o 14-Bis, nem o Flyer I, nem nenhum outro aparelho antes deles foi capaz de realizar tal feito, e por isso, apenas devemos considerar os seu feitos como meras experiencias que podemos classificar como meros saltos motorizados e não verdadeiras experiências de voo.

Assim não podemos considerar que o Flyer I tenha realizado um verdadeiro voo nem tão pouco o 14-bis. O credito da realização do primeiro verdadeiro voo de um avião deve ainda assim ser atribuido aos irmãos Wright, mas não com o Flyer I, mas com o Flyer III, com o qual em 5 de outubro de 1905, Wilbur voou durante 39 longos minutos uma distância de 38,5 km, dando diversas voltas sobre um campo em Dayton, Ohio, alguns meses antes do voo do 14-Bis, e um feito muito para além do realizado pelo aparelho de Santos Dumont.

O Flyer III é por isso o primeiro avião de verdade, o primeiro aparelho mais pesado que o ar capaz realizar um voo controlado.  

Um dos Flyer em voo
Duvidas restassem, motivadas pelo secretismo com que os irmão Wright rodeavam as suas experiências elas foram desfeitas a partir de maio de 1908, com a apresentação em França e depois em vários países europeus até meados do ano seguinte do Flyer então designado Wright Model A com o qual Wilbur aí realizou mais de 200 voos de demonstração, o maior deles de quase duas horas. O Wright Model A era equipado com um motor de 35cv e acomodações para piloto e um passageiro e tinha uma nova disposição dos controles, mas em tudo mais era idêntico ao Flyer III que entretanto fora desmontado depois de ter sofrido um acidente.

É assim impossível negar que o Flyer III foi o primeiro avião de verdade, enquanto o 14-Bis foi um dos últimos protótipos.  

  • O mais importante contributo de Santos Dumont para a aviação.

Apesar de Santos Dumont perder para os irmãos Wright a paternidade do avião é inegável o seu contributo para a aviação, não tanto com o 14-Bis mas com a sua invenção posterior o Demoiselle (ou Libellule), o primeiro avião ultraleve e talvez o primeiro avião verdadeiramente produzido em serie com mais de 40 unidades construídas. Apresentado em 1907, Dumont continuou a desenvolve o seu Demoiselle até 1910, implementando e melhorando o seu controlo lateral pelo uso do sistemas de torção da asa, realizando voos em várias ocasiões até 1909, incluindo um de cerca de 8 km de St. Cyr para Buc em 13 de setembro de 1909, retornando no dia seguinte e outro em 17 de setembro de 1909 de 18 km em 16 min. A aeronave foi exibida no stand Clément-Bayard no Salão Paris Aéro em outubro de 1909 e foram anunciados planos para uma produção de 100 aeronaves. Oficialmente, apenas 40 foram construídos em França, dos quais 15 foram vendidos, a um preço de 7.500 francos por cada estrutura com opção de escolha entre 3 motores: um Clement 20cv, um Wright 4-cyl 30cv (Clement-Bayard tinha a licença para fabricar motores Wright) ou um Clement-Bayard 40cv projetado por Pierre Clerget (com este motor o Demoiselle alcançou 120 km/h).

Transporte do Domoiselle na viatura de Santos Dumont
Ao contrário dos irmãos Wright, que após o sucesso com o Flyer se perderam em véus de secretismos e lutas judiciais, a maioria delas perdidas, pelos royalties das patentes que haviam registado, Santos Dumont divulgou os planos do seu Demoiselle para que pudessem ser utlizados por qualquer pessoa, livre do pagamento de quaisquer direitos de patente (que alias nunca registou), tornando assim o voo acessível a muitos entusiastas da época (por exemplo aviador pioneiro francês Roland Garros aprendeu a voar num Demoiselle numa escola de voo estabelecida por Clement Bayard). 

A edição de junho de 1910 da Popular Mechanics (revista Norte Americana) publicou, com autorização de Santos Dumont, os planos completos de construção do Demoiselle escrevendo que:

"esta máquina é melhor do que qualquer outra até agora construída, para aqueles que desejam chegar a resultados com a menor despesa possível e com um mínimo de experiencia". 

Após esta divulgação várias empresas norte americanas venderiam os desenhos e as partes necessarias à construção do Demoiselle por vários anos. 

  • Conclusão

Um Demoiselle em voo
O entusiasmo de Santos-Dumont pela aviação fê-lo divulgar os planos do seu Demoiselle em troca de nada, pensando que a aviação seria a causa de uma nova e próspera era para a humanidade. Com esta atitude contribuiu de forma marcante, muito mais que os Irmãos Wright para a “democratização” do voo e o consequente desenvolvimento da aviação. Muitas das suas ideias foram livremente copiadas por toda a Europa impulsionando desta forma o desenvolvimento da aviação no velho continente, ao passo que nos EUA a aviação demorou a desenvolver-se em grande parte devido às patentes registadas pelos Wright que bloqueavam a sua aplicação pelos entusiastas da aviação naquele país. Talvez por isso mereça ser chamado Pai da Aviação, apesar do crédito da invenção do primeiro avião ter que ser atribuído aos Wright.

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FONTES
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Texto baseado numa argumentação de Fábio Marton, publicado em “Aventurasnahistoria.uol.com.br

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RECURSOS ADICIONAIS
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14-bis de Santos Dumont

Wright Flyer III


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