Os primeiros motores a jato


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Embora o engenheiro e piloto britânico Frank Whittle tenha sido o primeiro a registar uma patente e a testar com sucesso um turborreactor, o fisico alemão Hans Von Ohain é considerado o designer do primeiro turbojato operacionalmente viavel. O seu motor (Heinkel HeS 3b) foi o primeiro turbojato a propulsionar integralmente o voo de uma aeronave, o Heinkel He 178, em agosto de 1939, enquanto que, o motor de Whittle (Whittle W1) só realizaria um feito idêntico em maio de 1941, ao impulsionar o primeiro voo do protótipo demonstrador de tecnologia Gloster E.28/39.
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  •  Origem do conceito e primeiras abordagens à propulsão a jato
Os trabalhos de Whittle e von Ohain representam o culminar de muitos outros trabalhos anteriores sobre o conceito e aplicação da propulsão a jato, cuja origem remonta à antiguidade clássica e que ao longo de séculos foram preparando o caminho para os motores a jato que vemos hoje em dia.

Heron de Alexandria apresenta o eolípila
A propulsão a jato pode ser definida simplesmente como qualquer movimento para frente provocado pela ejeção de um jato de gás ou líquido a alta velocidade em sentido contrário. A ideia básica da criação de movimento a partir de um jato de fluido dirigido na direção oposta, tem origem na antiguidade clássica, onde no século I DC, o matemático e mecânico grego, Heron ( Hero ou Herão) de Alexandria descreveu um dispositivo esférico (eolípile) cujo movimento giratório era gerado pelo impulso do vapor dirigido por dois bocais curvados em sentidos opostos. O aeolipile foi criado como uma curiosidade e nunca foi usado para qualquer finalidade mecânica prática. 

A primeira aplicação prática conhecida do conceito só aconteceria no no século 13 com a invenção do foguete pelos chineses. Relatos escrito descrevem que em 1633, o otomano Lagari Hasan Çelebi usou um foguete em forma de cone, com asas para voar conseguindo realizar uma aterragem bem sucedida.

No primeiro quartel do século XX, muitos cientistas e inventores experimentaram motores híbridos para impulsionar aeronaves, mas nenhum deles se aproximou integralmente dos princípios subjacentes ao motor turbojato.

Unidade WU na sua forma original
Em 1922 o engenheiro francês Maxime Guillaume registou a patente de um motor de turbina simples. Embora esse motor nunca tenha sido construído, a patente descrevia todos os princípios de funcionamento de um motor a jato, consistindo numa serie de turbinas que comprimiam o ar, depois misturado com combustível e inflamado, produzindo uma rápida expansão de gás que era expelido por um exaustor gerando assim um impulso em sentido contrário. 

Em 1930 o jovem engenheiro e oficial da RAF Frank Whittle patenteou os conceitos fundamentais que levaram à criação do turborreator, que havia formulado na sua tese de final de curso. No entanto, sem o apoio oficial do Ministério do Ar Britânico levaria mais sete anos para conseguir construir o primeiro protótipo de um turbojato funcional, que testou pela primeira vez, com sucesso em 1937.

Paralelamente, na Alemanha o físico Hans von Ohain, trabalhava com o apoio de Ernst Heinkel, num projeto similar, mesmo sem o apoio oficial das autoridades alemãs, que culminaria em agosto de 1939 com o primeiro voo de uma aeronave integralmente movida por um motor turbojato o Heinkel He 178. 

  • Das primeiras experiências de Frank Whittle aos primeiros motores a jato britânicos 
Terceira unidade WU na plataforma de testes
Em Inglaterra tudo começa em 1929, quando o jovem Frank Whittle, oficial de voo da Royal Air Force (RAF), sugeriu a ideia de construir um motor de avião baseado numa turbina a gás. Outros haviam tocado no conceito, mas Whittle foi o primeiro a ter os conhecimentos técnicos de engenharia e aeronáutica, necessários para fazer a ideia seguir em frente. Como as anteriores tentativas haviam falhado retumbantemente, o conceito apresentado por Whittle não foi aceite pelas autoridades nem pela indústria aeronáutica britânica, porém ele foi suficientemente persistente para patentear as suas ideias e continuar a promover o conceito do motor de turbina junto da RAF, o que lhe permitiu continuar a sua pesquisa durante a década de 1930. 

Em 1936, Whittle cria uma pequena empresa chamada Power Jets Ltd para prosseguir as suas investigações, na sequência de que, dentro em breve estaria a registar novas patentes, entre as quais se encontrava um motor de turbina a gás designado por WU (Whittle Unit), cujos testes iniciaria em 1937. Os testes foram tão bem sucedidos que em 1938 o Ministério do Ar Britânico aceitou financiar a continuação das suas investigações ainda que de forma moderada. 

Em junho de 1939, com o WU a trabalhar de forma confiável e com um desempenho acima do esperado, o Ministério do Ar encomendou à Power Jets um motor para teste em voo, o W1, ao mesmo tempo que encomendava à Gloster o projeto (E.28/39) para a aeronave onde iria ser testado o motor. 

Whittle W1
Tudo isto acontecia ao mesmo tempo que circulavam rumores de que os alemães estariam numa fase avançada de desenvolvimento de um motor de características semelhante que designavam por turbojato. 

Apesar do interesse demonstrado pelas autoridades britânicas em relação ao motor de Whittle, o projeto tinha uma baixa prioridade, pois em setembro de 1939 o Reino Unido encontrava-se em guerra e o país encontrava-se impreparado para o combate que se avizinhava, como se veio a verificar no verão de 1940 quando a Luftwaffe deu início aos ataques aéreos sobre a Grã-Bretanha. 

Apesar da perturbação causada pela batalha da Grã-Bretanha, o trabalho no motor de turbina e respetiva aeronave continuou embora com um baixo nível de prioridade. O conceito era, do ponto de vista do Ministério do Ar Britânico, suficientemente promissor para que em 1940 fosse emitida a especificação F.9/40, para um caça com motor de turbina, ao que, o engenheiro-chefe da Gloster, George Carter, perante a potência ainda limitada do motor Whittle W1 e seus possíveis derivados, propôs um aparelho bimotor cuja designação interna seria G.41. 

Gloster E28/39
A proposta foi aprovada em novembro de 1940, e, em 7 de fevereiro de 1941, foi encomendado um lote inicial de 12 protótipos G.41 inicialmente denominado por Thunderbolt, mas cuja designação seria alterada para Meteor no início 1942, para evitar confusão com o americano, Republic P-47 Thunderbolt. 

A primeira de duas aeronaves experimentais (E.28/39), internamente designadas por G.40, informalmente conhecidas por Gloster Whittle, começou os testes em pista com motores W.1X (não certificados para voo), em abril de 1941 com a participação do próprio Frank Whittle. Foi de seguida equipada com motores W1 e em 15 de maio de 1941 foi realizado com sucesso o primeiro voo. 

O segundo G.40 só voaria em março de 1943, e seria perdido devido a uma avaria durante um voo quatro meses depois. 

O G.40 era uma simples aeronave toda em metal com uma asa reta em posição baixa de 8,84 metros de envergadura, um único motor W.1 Whittle, no interior da fuselagem tubular de 7,74 metros de comprido, com admissão de ar no nariz, e um trem de aterragem triciclo retrátil. 

Rolls Royce W.2B Welland
O desempenho da aeronave era modesto, tendo atingido uma velocidade de apenas 544 Km/h, mas foi o princípio. Posteriormente uma nova versão do W.1 permitiu ao G.40 atingir os 750 Km/h, uma velocidade equivalente aos mais rápidos caças com motor de pistão seus contemporâneos. 

Apesar do sucesso com o G.40, o desenvolvimento do caça G.41 foi lento e a Power Jets Ltd não estava em condições de produzir em massa o motor de Whittle. O sucesso capturara finalmente o interesse oficial para o motor turbojato, mas as dificuldades até aí suportadas por Whittle afetaram-lhe seriamente a saúde e em 1944, quando Power Jets foi nacionalizada sofreu uma recaída que o levou a renunciar a sua posição na empresa em 1946. 

A procura de uma empresa disposta a produzir o motor de Whittle levaria a um atraso de dois anos no inicio da produção. Em outubro de 1940, o Ministério do ar consciente das dificuldades de Whittle interveio para tentar dar um impulso à produção do motor W.2B, contratando diretamente a Rover para o efeito. Porém todo o processo seria estrangulado pela burocracia e pelo mau relacionamento entre a Power Jets e a Rover, que ameaçou a continuidade de projeto até novembro de 1942, quando, segundo reza a história, Ernest Hives da Rolls-Royce propôs a S.B. Wilks de Rover durante um almoço: "Give us this jet job and we’ll give you our tank-engine factory in Nottingham”, (Dá-nos o trabalho do jato, e dar-te-emos a nossa fabrica de motores para tanques em Nottingham). 

Rolls Royce Derwent
A Rolls-Royce queria o motor a jato pois estava convencida de que ele seria o futuro e, na verdade, desde 1939 que tinham uma equipa na empresa a trabalhar na propulsão a jato, e por isso o desinteresse manifestado pela Rover em fabricar o motor assentou como uma luva nos seus interesses. 

O processo de transição foi rápido e imensamente importante para o projeto. Até final do ano a Rover não tinha mais que 57 horas de teste da sua versão do motor W.2B (que tinha designado por B.26) porém em finais de janeiro, a Rolls-Royce depois de tomar conta do processo já tinha mais de 400 horas de testes do W.2B e a relação com a Power Jets, tinha melhorado muito para além do previsto. 

Em novembro de 1942 um motor W.2B, seria testado na cauda de um bombardeiro Vicker Wellington, e depois instalado no segundo Gloster G.40 Whittle, voou pela primeira vez em março de 1943. Neste momento W.2B conseguia já fornecer um impulso de 7.11 kN e Whittle e a Rolls-Royce achavam que chegara o momento de trabalhar numa versão de produção do motor cuja designação seria Welland I. A partir de outubro de 1943, 167 Welland I foram construídos na fábrica da Rolls-Royce em Barnoldswick que iriam equipar os primeiros Gloster Meteor Mk I, o primeiro caça a jato britânico a entrar em operação. 

Rolls Royce Nene
O WU Whittle, o W.1 e o W.2B e os Welland I eram motores de fluxo centrífugo que usavam uma turbina similar a uma bomba de rotor para forçar o ar a entrar num conjunto de câmaras de combustão (combustores) dispostas em anel em torno do núcleo do motor. O fluxo de ar entra nos combustores de trás para frente, invertendo o fluxo à saída da câmara, num arranjo que permitia reduzir o comprimento do motor. 

A produção do Welland I terminaria após 167 unidades terem sido produzidas pois durante este período, na Rolls-Royce, Adrian Lombard aperfeiçoara o projeto de Whittle, tornando o fluxo de ar para os combustores direto (sem inversão de fluxo), melhorando o sistemas de combustível e de óleo, dando assim origem ao Rolls-Royce RB.37 Derwent Mk I, que fornecia um impulso de 8.83 kN, e que seria sucessivamente aperfeiçoado até à versão Mk IV, que fornecia um impulso de 10,8 kN. 

Halford Goblin
Entretanto Stanley Hooker, que tinha sido responsável pela equipe de projeto do Rolls-Royce que aperfeçou o Derwent, visitou os EUA na primavera de 1944 e encontrou na General Electric dois projetos para o desenvolvendo de motores turbojato com avaliações mínimas de impulso de 17,6 kN. Stanley Hooker regressou à Grã-Bretanha com a ideia que era necessário pensar “maior”, iniciando um projeto para construção de um turbojato, maior e muito mais potente que os até então construídos. O resultado foi o Rolls-Royce RB.41 Nene (basicamente um Rolls-Royce RB.37 numa escala 2.6 vezes maior), que testado em banco de ensaio em outubro de 1944, fornecia um impulso de 22,3 kN. O Nene tornou-se o mais potente motor do mundo na época, sendo também simples, barato de produzir e bastante confiável, características que levaram a que fosse produzido em grandes quantidades, com versões construídas no Canadá, Austrália, França, EUA e na URSS. O Nene era tão bom que a Rolls-Royce decidiu produzir uma versão numa escala menor que seria designado por Derwent 5 (apesar de ter pouca relação com os anteriores Derwent), e que testado em banco em junho de 1945 produziria um impulso de 11.8 kN. 

Paralelamente ao desenvolvimento dos motores Rolls-Royce, na Grã-Bretanha outros construtores desenvolviam as suas próprias versões de turbojatos a partir de patentes de Whittle anteriores ao W.1. 

A De Havilland desenvolveria o Halford H.1, testado pela primeira vez em abril de 1942, de cujo aperfeiçoamento resultaria em finais de 1943 o Goblin (cujas versões seriam usadas nos Gloster Meteor, de Havilland Vampire, Lockheed XP-80 Shooting Star, e Saab 21R), mais tarde ampliado para o De Havilland Ghost (utilizado nos De Havilland, Comet, Venom, Sea Venom e Saab Tunnan).

Metropolitan Vickers F2-4
Outra empresa Britânica sediada em Manchester, a Metropolitan-Vickers ("MetroVic"), especializada em turbinas a vapor, estava a trabalhar desde 1939 no que viria a ser o primeiro motor britânico turbojato de fluxo axial, um projeto muito diferente dos mecanismos de fluxo centrífugo desenvolvidos por Whittle. Estes motores de fluxo axial, dispunham de um conjunto de pás de turbina dispostas em torno de um eixo central (compressor), comprimindo o ar para uma câmara de combustão anular, seguida por um outro conjunto de pás de turbina que mantinham o eixo em movimento. O turbojato de fluxo axial provaria para ser o caminho futuro para os motores dos aviões de combate modernos, enquanto os motores de fluxo centrífugo se tornariam a base para os motores do helicóptero moderno. 

O primeiro motor MetroVic designado po F.2 foi testado em banco de ensaio pela primeira vez em dezembro de 1941, e um ano depois produzia já um impulso de 8 kN. Os projetos da MetroVic conduziriam à criação do F.9 Sapphire pela Armstrong Whitworth em 1948, que se tornaria um dos motores a jato mais proeminentes da década de 1950. 

  • Do motor conceptual de Hans von Ohain aos primeiros motores de fluxo axial produzidos em série 
Heinkel HeS 1, o primeiro motor de Von Ohain,
usava hidrogénio gasoso como combustivel
Paralelamente, enquanto muitos países produziam e operavam biplanos, a Alemanha dava seus primeiros passos na era a jato tendo em 1937, já desenvolvido um motor viável para instalação numa aeronave. O Heinkel HeS 1 (Heinkel-Strahltriebwerk 1), resultara de uma frutuosa parceria entre Ernst Heinkel e Hans von Ohain (Hans Joachim Pabst von Ohain), apresentado ao primeiro por Robert Pohl, seu professor na Universidade de Göttingen, em 1936, depois deste ter acreditado na potencialidade do conceito de turbina a gás que von Ohain construíra e testara na sua garagem desde 1934. 

Hans von Ohain defenderia perante os Engenheiros da Heinkel que o seu “motor de garagem” nunca funcionaria, mas que o seu conceito era plenamente viável, convencendo assim Ernst Heinkel a contrata-lo, e ao seu mecânico Max Hahn, em 1936, para continuarem a desenvolver o motor nas instalações da Heinkel no aeródromo de Marienehe, perto de Rostock em Warnemünde

Heinkel He S 3b o motor usado no  prototipo He 178
O primeiro resultado foi o Heinkel HeS 1 (Heinkel-Strahltriebwerke 1), um motor de turbina que funcionava a hidrogénio, construído entre o final do verão de 1936 e março de 1937, para realizar testes estáticos. Era um motor, extremamente simples, feito em grande parte de chapa metálica, sendo testado com sucesso pela primeira em abril de 1937, evidenciando a viabilidade do conceito. 

O HeS 1 não fora concebido para ser instalado numa aeronave, mas a mesma equipa desenvolvera em paralelo um projeto para um motor com potencialidade para impulsionar uma aeronave, o HeS 3. O HeS 3 era largamente baseado no design e conceitos do seu antecessor, convertido para consumir combustível líquido em vez de hidrogénio. Usava um indutor de 8 lâminas e um compressor centrífugo de 16 lâminas, que comprimiam o ar para uma câmara de combustão anular entre o compressor e a turbina, o que tornava o motor mais longo. 

Heikel He 118, o primeiro avião a voar com propulsão a jato,
com o motor HeS 3b instalado sob a fuselagem
O primeiro exemplar construído foi testado por volta do mês de março de 1938, mas não alcançou o impulso estimado. A versão seguinte, o HeS 3b, menos compacta mas mais simples, tinha um indutor de 14 lâminas e um compressor centrífugo de 16 e, para minimizar o diâmetro, a parte mais larga do combustor anular foi colocada em linha com a entrada axial de menor diâmetro para o impulsor. Na saída do impulsor, o ar fluía para a frente, e depois girava 180 graus para fluir para trás através do combustor e depois radialmente para dentro da turbina. O combustível era usado para arrefecimento, ao mesmo tempo que era pré-aquecido. 

O HeS 3b ficou concluído no início de 1939, sendo testado em voo num dos protótipos (V2) do bombardeiro de mergulho Heinkel He 118. Os testes que decorreram numa atmosfera de profundo sigilo, com a aeronave a realizar voos apenas ao início da manhã aterrado e decolando com recurso a propulsão a hélice convencional, foram satisfatórios mas a turbina acabaria por queimar. 

Heinkel He 176, protótipo que voo com motor de foguete
em junho de 1939 e no qual o He 178 foi largamente baseado
Um segundo motor acabaria de ser construído em simultâneo à conclusão da fuselagem do Heinkel He 178, uma pequena aeronave com um design baseado no Heinkel He 176 (uma aeronave experimental com um motor a foguete de combustível líquido) destinada a servir para demonstração do novo motor. 

Considerando os testes iniciais satisfatórios, foi decidido passar de imediato para testes completos de voo com propulsão a jato. A 24 de agosto foi feito um pequeno ensaio de alta velocidade em pista e no dia 27 seguinte o He 178, realizou o primeiro voo completo unicamente propulsionado pelo motor HeS 3b. 

Logo nos primeiros testes, o He 178 apresentou um desempenho impressionante, sendo mais rápido que a maioria dos aviões alemães com motor a pistão em operação, alcançando os 580 km/h. No entanto, devido ao elevado consumo de combustível, tinha autonomia para apenas 10 minutos de voo. 

Os testes prosseguiram até novembro de 1939 altura em que foi feita uma demonstração de voo perante funcionários do RLM (Reichsluftfahrtministerium) na esperança de obter financiamento para a continuação do desenvolvimento do motor. 

Heinkel He 178
No entanto, o (RLM) não mostrou muito interesse na nova tecnologia demonstrada pela Heinkel. Nenhum dos seus altos representantes comparecera na demonstração, Hermann Göring como Reichsluftfahrtminister e Ernst Udet como Generalluftzeugmeister (chefe do desenvolvimento técnico da Luftwaffe), não reconheceram as potencialidades da nova tecnologia. Esta posição do RLM seria invertida com Erhard Milch, sucessor de Udet após o seu suicídio em novembro de 1941, que impulsionaria, o desenvolvimento dos motores a jato, pretendendo com isso proporcionar vantagens decisivas à Luftwaffe. 

Na realidade, sete meses antes da apresentação do He 178, o Reichsluftfahrtministerium (RLM), conhecendo os estudos de von Ohain na Heinkel solicitara aos principais fabricantes de motores alemães que desenvolvessem estudos para aplicação da tecnologia do motor de turbina em aeronaves.

Tal pedido resultara dos esforços de Helmut Schelp, diretor de desenvolvimento de motores avançados na divisão técnica do RLM, e Hans Mauch, que apesar do pouco interesse oficial, tentaram manter o desenvolvimento da tecnologia incentivando o interesse das empresas de motores existentes no desenvolvimento de jatos. 

Heinkel HeS 8A 
No entanto a solicitação fora especificamente dirigida a construtores de motores o que impossibilitava a Heinkel, como construtora de aviões de aceder aos fundos disponibilizados pelo RLM para o efeito. Com o objetivo de ultrapassar a limitação imposta pelo RLM, Ernst Heinkel adquiriu em 1939, a pequena construtora de motores Hirth Motoren GmbH, para onde deslocou a equipa de desenvolvimento de von Ohain para a continuação dos trabalhos. Conseguiu desta forma ultrapassar a limitação imposta e obter financiamento do RLM para continuar a desenvolver o sucessor do HeS 3b, o HeS 8, que seria o primeiro reator com desenvolvimento financiado pelo RLM, que lhe atribuiu a designação oficial 109-001 (todos os desenvolvimentos secretos de motores a jato e motores de foguete obtiveram o prefixo discreto "109", como Jumo 109-004, BMW 109-003 ou Walter HWK 109-509). 

Numa das visitas que Helmut Schelp realizara no no início de 1939, Otto Mader, da Junkers, referia que, mesmo que a ideia do motor a jato valesse a pena, a junkers não tinha ninguém para colocar à frente do projeto, ao que Schelp sugeriu que Anselm Franz seria perfeito para o trabalho, dada a sua experiência no trabalho de turbocompressores. Consequentemente, de forma autónoma e em paralelo ao trabalho de von Ohain, Anselm Franz, na divisão de motores da Junkers (Junkers Motoren ou "Jumo"), começara a trabalhar num turbojato introduzindo um compressor de fluxo axial no no seu projeto de motor de turbina. Os compressores centrífugos eram mais fáceis de construir, mas usam fluxo de ar reverso através da seção de combustão, criando arrasto. Para eliminar esse arrasto, Franz decidira utilizar um compressor de fluxo axial que permitiria que o ar fluísse diretamente pelo motor, criando menor arrasto interno melhorando a eficiência do fluxo, e que teria a vantagem adicional de reduzir a seção transversal do motor. 

Junkers Jumo 109-004
O turborreator de fluxo axial, teria menor arrasto que os turborreatores de fluxo centrífugo, em desenvolvimento por von Ohain na Heinkel e por Frank Whittle na Inglaterra (pelo lado dos aliados o compressor axial seria usado pela primeira vez, muito após o final da guerra em 1947, no Rolls-Royce Avon e no mesmo ano no General Electric J35, sendo nos dias de hoje de uso generalizado na maioria dos motores a jato). 

O motor de Anselm Franz receberia a aprovação e financiamento do RLM sob o código 109-004. Seria testado pela primeira vez em finais de 1940, e evoluiria para o motor Junkers Jumo 109-004, o primeiro motor a jato do mundo a entrar em produção em serie. De fevereiro de 1944 a março de 1945, seriam produzidas 6010 unidades Jumo 109-004 nas versões de produção B1 e B2, das quais 4752 unidades foram entregues para instalação nos Messerschmitt Me 262, e Arado Ar 234, as primeiras aeronaves a jato de produção em serie a entrar em combate. 

Em 1939, a BMW adquiriu a Brandenburgische Motorenwerke (Brandenburg Motor Works, conhecido como "Bramo"), que tinha em desenvolvimento um motor de fluxo axial com um sofisticado de compressor contra rotativo destinado a eliminar o torque. Este motor recebera o financiamento do RLM, sob o código 109-002, mas que acabaria por ser abandonado devido a sua complexidade. Com esta aquisição a BMW, tivera temporariamente dois motores a jato em desenvolvimento, pois dispunha já por essa altura do seu próprio projeto, então liderado por Hermann Östrich e financiado pela RLM sob o código 109-003.

BMW 109-003
O BMW 109-003 Seria o primeiro motor a jato a ser equipado com uma câmara de combustão anular e com as lâminas da turbina arrefecidas internamente. Tanto o compressor de sete estágios como a turbina de um único foram projetados num design axial, e o bocal de exaustão era ajustável. O arranque do motor era feito por auxílio de um motor de combustão interna, boxer de dois cilindros a dois tempos, Victoria construído em Nuremberg, e projetado por Norbert Riedel, também usado no Junkers Jumo 004. Deste projeto resultaria o BMW 003, que a seguir ao Jumo 004 seriam os únicos motores a jato a entrar em produção em massa durante a Guerra. 

O BMW 003 teria apenas cerca de 500 unidades produzidas na Alemanha, no entanto este motor foi a base do desenvolvimento da tecnologia dos motores a jato no Japão e, depois da guerra terminar, foi cuidadosamente estudado pelos aliados, nomeadamente pelos franceses e pelos soviéticos sendo a base dos primeiros motores a jato produzidos nestes países. 

HeS-30, na plataforma de teste em abril, 1942
Na Heinkel, as preferências de von Ohain tinham-se também voltado para os compressores de fluxo axial ainda antes do desenvolvimento do HeS 8, que na realidade surgira como uma forma simples e rápida encontrar um motor para o He 280 devido aos problemas de desenvolvimento com que se deparava o HeS 30

O HeS 30 (HeS-Heinkel Strahltriebwerke), originalmente projetado por Adolf Müller na Junkers. O projeto passara para a Heinkel- Hirth (Heinkel-Strahltriebwerke) juntamente com o seu projetista (além de Adolf Müller, cerca de metade da sua equipa transferiram-se neste momento para a Heinkel Hirth). em outubro de 1939, quando a Junkers mudou as suas instalações de Magdeburg para Dessau, mas o primeiro HeS 30 funcional apenas ficaria pronto em maio de 1942, tardiamente relativamente aos Jumo 004 e BMW 003, o que conduziria ao seu cancelamento pelo RLM em finais do ano, para que a Heinkel se pudesse concentrar noutros projetos. 

Heinkel HeS 109-011
É hoje comummente aceite que de todos os primeiros motores projetados no período da guerra, o HeS 30 era, de longe, o melhor, produzia um impulso de cerca de 8,4 kN, a meio caminho entre os 7,8 kN do BMW 003 e os 8.8 kN do Junkers Jumo 004 , mas pesava apenas 390 kg , proporcionando uma melhor relação peso impulso, para além de ter menor consumo de combustível e uma menor secção longitudinal (alega-se que o desempenho deste motor apenas foi atingido por outro em 1947). 

Com o cancelamento dos HeS 8 e HeS 30, em finais de 1942 o RLM pretendia que a Heinkel se concentrasse no promissor Heinkel HeS 011 (HeS 109-011), concebido a partir de 1942 por Helmut Schelpum, um avançado motor a jato que prometia um impulso máximo de 12,7 kN.

O HeS 109-011, um turbojato classe II, fora projetado por Hans von Ohain com um sistema de compressão único, que começava com um rotor de baixa compressão á entrada, seguido por uma segunda fase na diagonal (semelhante a um compressor centrífugo) e, em seguida, um compressor de três estágios. Tal como o BMW 003 dispunha de uma câmara de combustão anular em vez de múltiplas câmaras de combustão simples (Jumo 004), e a as lâminas da turbina eram ocas para poderem ser arrefecidas com ar do compressor. 

Daimler-Benz DB-109-007, turbojato com dois
 compressores axiais contrarrotativos, 1943
Já perto do final da guerra, muitos dos projetos alemães de aeronaves previam o uso deste motor, porém a guerra terminou antes de ele ser considerado apto para produção (até esse momento apenas tinham sido produzidas 19 unidades de uma pré-serie). 

Foram realizados estudos de um turbopropulsor baseado no HeS 021 mas o excesso de trabalho na Heinkel-Hirth fez com que o projeto de desenvolvimento fosse entregue à Daimler-Benz (DB-109-021), que abandonara o desenvolvimento do seu próprio turbojato DB-109-007 por problemas de conceção. O DB-109-021 seria também abandonado devido à sua complexidade. 

  • Síntese final 
A Segunda Guerra Mundial foi um dos períodos mais sombrios da história da humanidade. No entanto, para a ciência e tecnologia foi um período de imenso progresso, com inúmeras descobertas e avanços tecnológicos em diversas áreas, muito especialmente no domínio da aeronáutica. 

Um dos principais legados deixado pelo conflito foi, neste domínio, o motor turbojato, que no final da guerra estava ainda numa fase de desenvolvimento pouco mais que embrionária, mas o suficiente para que se tornasse claro que os motores de pistão convencionais nas aeronaves de propulsão a hélice tinham atingido o limite da sua capacidade máxima de desenvolvimento. Restava por isso à indústria aeronáutica voltar-se para a nova tecnologia emergente para obter aeronaves de mais elevada performance. 

Frank Whittle (na Inglaterra) e Hans von Ohain (na Alemanha) foram os percursores na conceção e fabrico dos primeiros motores de turbina de gás, embora as suas invenções se tenham baseado em trabalhos limitados desenvolvidos anteriormente, foram os primeiros a materializarem o novo sistema de propulsão. 

Quase em simultâneo e sem saberem do trabalho uns do outro (a não ser o que a espionagem permitia) desenvolveram dispositivos diferentes mas ambos baseados na força propulsiva desenvolvida por um fluxo de ar animado de elevada energia e caudal. 

Enquanto a primeira experiência de Frank Whittle chegou aos nossos dias abundantemente documentada e com a evidência da data exata em que ocorreu pela primeira vez o funcionamento de um motor de turbina de gás (12 de Abril de 1937), da experiência de Hans von Ohain não restaram evidências quanto à data exata em que esta se realizou, embora segundo o próprio, o primeiro ensaio ter-se-á realizado entre Março e Abril de 1937, quase em simultâneo com as experiências de Frank Whittle. Este é o motivo pelo qual se atribui a Frank Whittle a primazia do invento, embora tenha sido o motor de Hans von Ohain a propulsionar o voo da primeira aeronave a jato em 27 de Agosto de 1939. 

Durante a Segunda Guerra o conhecimento pelos Aliados dos avanços alemães na tecnologia do motor a jato levou a que Inglaterra e os Estados Unidos acelerassem os seus próprios programas que até então decorriam lentamente por não terem, atraído o interesse das entidades oficiais. Traçou-se a partir daí um período de extrema agitação na aviação que se prolongaria bem para além do final da Segunda Guerra Mundial, e do qual emergiriam as bases tecnológicas dos motores das aeronaves dos dias de hoje.

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RECURSOS ADICIONAIS
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FONTES
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